Participamos da ROG-e 2024 (Rio Oil & Gas 2024 - IBP) na última semana de setembro/2024, e compartilhamos, de forma consolidadas, as principais ideias após participarmos de palestras interessantes, reencontrarmos colegas da indústria e obtermos muitos insights. Contudo, ficou claro que diversos desafios do Mercado de Gás permanecem latentes, mesmo após mais de 5 anos da celebração do TCC - Gás Natural (Termo de Compromisso de Cessação, celebrado em 08/07/2019 como um marco para abertura do mercado de Gás Natural).
Apenas como exemplo e buscando contextualizar para vocês, os desafios mais sensíveis do Mercado de Gás que registramos nos diferentes fóruns da ROG-e 2024 não são “novos” e/ou surgiram agora em 2024. Para sermos francos, os principais temas debatidos foram formalizados em remédios antitruste (objetivos e comportamentais) em 2019 com a celebração do TCC - Gás Natural, com destaque para:
I. Unbundling;
II. Preço da molécula de gás (nacional e importada);
III. Acesso às infraestruturas essenciais;
IV. Transparência e publicidade dos contratos de gás natural.
A respeito do item II ("preço da molécula de gás"), é importante destacar que foi obviamente muito comentado por diferentes players e que não há no TCC – Gás Natural, em sua versão original, um compromisso específico para preço da molécula. Entretanto, os remédios antitruste combinados buscavam influenciar as condições e/ou variáveis que efetivamente impactavam a composição do preço da molécula.
De forma objetiva, ainda estamos nos mesmos esforços para alcançar os resultados desejados para o Novo Mercado de Gás, muito comentado em 2021 com a publicação da Lei 14.134, de 8 de Abril de 2021 ("Lei do Gás").
Overview como nação, brasileiro e agente da indústria:
Sendo pragmáticos, é de conhecimento da indústria que um processo de abertura do mercado não é algo simples e, muito menos, ágil. Resumidamente, não é uma questão de plug and play. Em contrapartida, as referências globais e suas boas práticas - conhecidas e documentadas, como exemplo: mercado europeu - sugerem cerca de 10-15 anos da abertura à estabilização. Ou seja, nós estamos caminhando para a metade da referência global com muitas complexidades regulatórias, concorrenciais, operacionais etc. para atingir o desejado mercado de gás mais maduro e confiável.
Como nação, tivemos avanços? Sim. Foram significativos? Sim. Contudo, a concentração vertical do agente dominante foi resolvida? Ainda Não. As possíveis concentrações horizontais nos elos da cadeia precisam ser monitoradas? Certamente. Há previsibilidade para confortar os investidores? Ainda não. Temos muito trabalho pela frente? Sem dúvida.
Como brasileiros, ficamos reflexivos com a nossa dificuldade de criar Políticas de Estado, ou seja, estabelecer as diretrizes e regras para o longo prazo (10-20 anos). Não há como materializar investimentos bilionários e realizar projetos de infraestrutura (ex.: gasodutos, rotas de escoamento, terminais etc.) sem a confiança que as regras são efetivamente conhecidas e confiáveis. Como em outros segmentos nacionais, a famosa e muito comentada: PREVISIBILIDADE, para projetar receitas, gastos, ROI etc. permanece sendo um desejo coletivo ainda distante.
Como agente da indústria, entendemos que há diferentes futuros possíveis (sim, no plural) que podem gerar oportunidades em alguns elos da cadeia, mas hoje ainda estamos em um cenário incerto com atualização dos decretos e novas políticas públicas.
Se o futuro será para várias empresas competindo nos diferentes elos (processamento, transporte, distribuição etc.), nós precisaremos dar segurança aos investidores hoje, para que o capital seja de fato injetado e os projetos ocorram.
Além disso, precisaremos acompanhar o posicionamento e impacto de novos entrantes em elos da cadeia antes fechados (ex.: processamento), assim monitorando e medindo o grau e evolução da concorrência. Se o futuro for uma manutenção do agente dominante, as oportunidades tendem a ser mais limitadas, os modelos de negócio precisarão ser “mais criativos” (buscando ROI em lacunas da cadeia com ou sem parcerias estratégicas) e, talvez, as soluções de logística / infraestrutura (ex.: estocagem) serão os outliers para um país continental como o Brasil.
O ambiente regulatório nacional também não é plug and play:
Outro desafio para o Mercado de Gás nacional – velho conhecido – é a morosidade de análise e posicionamento da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). O que também foi citado por diferentes players nos fóruns da ROG-e 2024 e, notoriamente, um “pedido ajuda” à agência reguladora a fim de reduzir as incertezas e conflitos entre os agentes (ex.: “Case – Gasoduto Subida da Serra”). Entretanto, a responsabilidade da ANP é muito sensível, por isso qualquer posicionamento não fundamentado e holístico pode gerar mais ruído do que clareza ao mercado.
Refletindo um pouco a respeito da rotina de trabalho da ANP de 2019 até hoje, entendemos que foi minimamente agitada para algumas diretorias e superintendências. Considerando que, para o intervalo de 2021 até Julho de 2024 é plausível projetar que as equipes estavam focadas em modelar e estabilizar os controles, processos, procedimentos etc. para suportar o Decreto Presidencial 10.712 de 02/06/2021 (Regulamenta a Lei nº 14.134 – 08/04/2021, popularmente conhecida como “Nova Lei do Gás”). Contudo, com a publicação do Decreto Presidencial 12.153 de 26/08/2024 que altera o decreto anterior, realmente ficamos em uma situação complicada de esperar e/ou exigir velocidade da agência.
Neste cenário e sem aprofundar o tema, ainda ocorreram os aditivos do TCC de Gás Natural e TCC de Refino em 2024, que naturalmente geraram novos reflexos para o mercado e a agenda regulatória como um todo. Não é novidade que as incertezas limitam os investimentos em projetos ou, naturalmente, são precificadas (sensibilidade de risco) na modelagem financeira. Desta forma, em qualquer um destes cenários podemos gerar, por consequência, uma “precificação sobretaxada” ou, minimamente, um ambiente nacional não competitivo frente a outros mercados.
Considerando todo este contexto, é importante destacar que a ANP tem suas limitações e são conhecidas pela indústria de maneira geral, apenas como exemplo:
a) O paradoxo da necessidade de um prazo célere para análises técnicas e complexas;
b) Equipe técnica reduzida para diferentes temas críticos;
c) Ausência/limitação de concursos públicos;
d) Novas atribuições adquiridas.
Simplificando o entendimento, é algo similar a contratar o engenheiro para construir um prédio e não realizar a compra do cimento, vergalhões, pedras, mão de obra etc.
Diante do exposto, as perguntas-chave que permanecem, são:
As prioridades nacionais estão claras e formalizadas para a ANP? Ou temos conflitos de agendas?
O orçamento da ANP foi revisado pelo governo ou, minimamente, há flexibilidade para realocação de recursos para diretorias/gerências, conforme prioridades nacionais?
A independência da ANP foi fortalecida pela governança federal para suportar as novas atribuições?
Quais autarquias e agentes precisam interagir com a ANP a fim de suportar as análises?
A agenda regulatória será revisitada para resultados efetivos dentro do mandato do atual governo?
Reconhecemos que as respostas para essas questões podem não ser binárias, mas é inegável que a velocidade de investimentos e a concorrência no mercado de gás estão diretamente ligadas a essas respostas — ou à falta delas. Dito isto, mesmo com a alternância de governos (administração federal), estes questionamentos continuam sendo sensíveis.
Além da referida dinâmica relacionada ao Gás Natural, é fundamental considerar que esta é apenas uma das dimensões interligadas à transição energética. Também será necessário obter posicionamento, diretrizes claras e orientação da ANP a respeito de temas como: biogás, biocombustíveis, hidrogênio, entre outros, que são - e serão cada vez mais - essenciais neste contexto.
Monitoramento para entender o futuro:
Para uma visão de longo prazo no Brasil é essencial monitorar tanto as variáveis internas quanto as externas que influenciam o mercado de gás natural.
No âmbito doméstico, a atuação da Petrobras e da TBG em conformidade com as exigências e atualizações da “Nova Lei do Gás” (Decreto 12.153 de 26/08/2024) devem estar no radar de qualquer player do setor.
No cenário externo, a Argentina e a Bolívia desempenham papéis fundamentais na importação de gás natural para o Brasil. Desta forma, acompanhar os cenários políticos, novos acordos (YPFB da Bolívia) e o avanço dos investimentos em Vaca Muerta (Argentina), como exemplo, são determinantes para embasar decisões estratégicas em diversos elos da cadeia de valor.
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